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segunda-feira, 13 de abril de 2009

CRÔNICAS DOS BUSCADORES DA VERDADE

“Pogossian e eu chegamos à conclusão bem firme, de que havia realmente alguma coisa da qual os homens antigamente tinham tido conhecimento, mas que esse conhecimento estava, hoje em dia, completamente esquecido e dedicávamos toda a atenção à literatura antiga”.


Trecho de Encontros com Homens Notáveis de G. I. Gurdjieff


Teve uma época em que viajei um bocado com um grupo do qual fiz parte por mais de uma década, só que dessa vez não era uma sonora banda de rock, ao contrário: o objetivo era silenciosamente espiritual e hoje - quando muita coisa esfarela na distância - me parece ingênuo, romântico e pretensioso. Que audácia e que delícia crer ser realmente possível descobrir as verdades fundamentais perdidas pelas veredas do mundo. As decepções nos trazem maturidade, mas também essa impossibilidade prática e a preguiça cética de correr atrás de tudo quanto é bola perdida.


Ontem no Fantástico falavam de uma “nova” descoberta científica pela qual seria possível apagar algumas lembranças das pessoas. Pensei: mas que coisa mais idiota, lavagem cerebral não existe há tanto tempo? Esquecer é fácil. Quero ver o dia em que vão fazer a gente conseguir lembrar! Lembrar que precisamos correr atrás de tudo o que é imprescindível e deixar de lado as bobagens inúteis que nos consomem. Lembrar nas próximas eleições o que os candidatos já aprontaram de ruim no passado. Lembrar pelo menos o nome de três pessoas que me ajudaram a crescer de um ano para outro e ir lá agradecer por isso...


Fantasio às vezes uma voltinha pelo meu passado distante, como naquele filme “Em Algum Lugar do Passado”, acordar em um dia qualquer de 1988, por exemplo. O que será que eu estaria fazendo naquela época dos meus vinte e poucos anos? Lembro de muita coisa, claro, mas tão vagamente como alguns sonhos. Queria ter todos aqueles detalhes perdidos de volta! Queria poder sentar à mesa de jantar com meus pais e ter com eles uma conversa de adulto, especialmente com minha mãe que morreu pouco mais velha do que sou hoje. O que será que ela diria do homem em que me tornei? Ou melhor: o que o homem que me tornei diria de tão imprescindível assim para ela?


Viagens noturnas de ônibus que duram de oito a quinze horas não são tão agradáveis e relaxantes assim. Alguns tomam remedinho e antialérgicos pra conseguir dormir, outros tomam uma birita mesmo, eu comprava palavras-cruzadas e um gibi qualquer pra ler até o sono chegar. Vamos combinar que um ônibus sacolejante não é o melhor lugar do mundo para se ler a Divina Comédia de Dante, mesmo porque, os entediados ficam puxando conversa com os que não estão fingindo estar dormindo. Um destes me viu lendo o número 28 da revista Wolverine e veio bater papo:


- Eu gostava muito de ler isso quando era criança. – Sua abordagem soou arrogante, dava a entender que eu não tinha idade para estar lendo uma revista em quadrinhos. Era uma pessoa messiânica, entrara para o grupo, vindo de uma igreja evangélica e cultivava um ar soberano que tanto podia ser de síndico de prédio, quanto de presidente das Nações Unidas. O mundo está cheio de Reis depostos à procura de um trono, apesar de fazerem bom uso destes diariamente, pelo menos os de intestino mais regular. Estava adorando aquela saga do Wolverine, mas desviei os olhos das páginas coloridas pra ver se entendia o prazer daquele senhorzinho careca me interromper com a intenção imbecil de tentar me fazer sentir ridículo. Simplesmente perguntei para ele:


- Se gostava de ler, parou por causa de quê?


Sua resposta não importa, o que ele queria era conversar, mesmo sendo indelicado e pedante, afinal, tanta gente é assim. É preciso ter paciência e diplomacia para viver sem mandar o resto do mundo tomar naquele lugar. O que me incomoda agora é a lembrança daquela noite. Queria esquecer aquela revista - hoje guardada em um baú - e ter o prazer de a ler novamente sem saber o final. Talvez para isso essa descoberta da ciência fosse legal. Poderíamos ver um mesmo filme que gostamos umas dez vezes, era só esquecer e ver outra vez. Ou então beijarmos a mulher que amamos pela primeira vez um montão de vezes. Um dos maiores prazeres do mundo é a surpresa, a mãe de todas as artes.


Mas o perigo é que nós mudamos com o tempo e nossas memórias mudam também, como naquele ditado: um homem nunca toma banho no mesmo rio duas vezes. Nem nós, nem nossas lembranças somos os mesmos e apaga-las talvez não queira dizer nada, apenas que estamos indo embora, nos perdendo na espiral do esquecimento. A questão ainda é: para onde? Para onde vamos e o que vamos encontrar lá? Eu não esqueci, apenas parei de correr atrás da resposta. Quem sabe um dia destes a verdade fundamental da vida não vem rolando até a porta da minha casa, que eu posso muito bem ter esquecido de trancar, e entra!

Um comentário:

Giseli disse...

Oi Juca, gostei da sua escrita, simples e gostosa de ler... Uma pessoa já tinha me dado a idéia de criar um blog, com sua visita hoje, o farei mesmo. Gostaria muito de tê-lo como colega do mestrado, não deixe de fazer, não custa nada tentar. Já vi que jeito para a coisa você tem. Até a próxima.