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quinta-feira, 30 de abril de 2009

Contos de Terror da Letra Elektrônica - Parte I: A Casa Mal Assombrada


A maior parte das pessoas diz que tem mais medo dos vivos do que dos mortos, vou contar então a curiosa história de um perfeito incrédulo que um dia deu de cara com o além. O estranhamento já começou quando Edgard encontrou um poema muito triste grudado na porta de uma antiga geladeira. Muito tempo depois, ao relembrar a história, lamentou não ter simplesmente arrancado aqueles misteriosos versos e os enfiado no bolso. Não lembrava mais as palavras quando saiu da casa, momentos depois já não conseguia repetir o que lera, nem dizer realmente o que o deixara tão incomodado.


Encontrou o que sentiu ser a essência do desespero e da desesperança emanando daquele poema, era uma coisa de arrepiar, como ler a carta de suicídio de alguém que se conheceu. O poema justificava razões por desistir de lutar, não como se pedisse desculpas para o resto do mundo, mas como se quisesse convencer que aquilo era o certo a se fazer: por um fim à vida. Se aquelas palavras fossem encontradas ao lado do corpo frio de uma pessoa morta seria perfeitamente compreensível, mas estavam grudadas na porta da geladeira! Alguém lera aquilo por dias, semanas, como se buscasse coragem para dar o passo final.


Edgard afastou os olhos daquele texto macabro, não sabia de nada daquilo, não sabia nada de nada, era só uma má impressão, uma sensação ruim. Embora parecesse ter mais alguém ali, sabia que estava sozinho naquele casarão. Bom, mas e se tivesse mais alguém? Agora já não tinha mais certeza. Voltou ao vestíbulo onde havia uma escada que levava ao segundo andar e falou bem alto:


- Tem alguém aí? - Nesse mesmo instante viu no terceiro degrau de mármore branco da escada uma estátua de gesso do tamanho de um punho. Era uma caveira em cima de alguns livros. Um arrepio percorreu seu corpo. De lá de cima teve o silêncio sepulcral como resposta. Sepulcral. Aquele lugar parecia um cemitério. A caveira o olhava desafiadoramente, parecia ter sido colocada ali como um aviso, uma ameaça. Não suba essas escadas...


No final daquela manhã estava em seu escritório quando chegou da rua uma corretora novata trazendo aquele imóvel para alugar, um casarão de dois andares, um sobrado como costumava se dizer antigamente. Edgard tinha costume de visitar todos as novas “mercadorias” antes de começar a oferecê-las, achava um absurdo quem falava de uma casa ou um apartamento que nem sequer conhecia. Estava chegando a hora do almoço e, como morava perto, levou a chave da casa para dar uma olhada. Quando saía seu sócio o interrompeu:


- Ô Edinho, você vai visitar essa casa nova que entrou para aluguel?


- Vou sim, tô já de saída.


- Pera lá bicho, leva a placa da imobiliária pra colocar logo. Fica naquela avenida perto de sua casa não é?


- Fica.


- Ali é perfeito pra aluguel comercial, esse imóvel não vai ficar encalhado aqui nem uma semana.


- É bom que a gente economiza em anúncio...


Do lado de fora da casa o sol era de rachar, pleno meio dia de um verão daqueles. A casa estava toda fechada, as janelas cobertas com grossas cortinas, estranhamente Edgard não sentia calor, lá dentro parecia que era meia noite. A caveira continuava o fitando ameaçadoramente, resolveu dar um tempo e vistoriar o resto do andar de baixo antes de enfrentar o capeta e descobrir o que mais o esperava no pavimento superior.


A sala de estar estava ainda toda mobiliada, a impressão que se tinha é que o dono daquele imóvel chegaria a qualquer momento. O estilo da decoração era antigo e pesado, sofás de tecido grosso, tapetes felpudos orientais imitando o pelo de burro quando foge, mesinha de centro com alguns objetos de decoração, cinzeiros e até um porta-retratos com pessoas nos anos setenta. Também havia revistas, catálogos e discos de vinil empilhados pelos cantos. Edgard pegou uma caixa parda e abriu, era uma coleção da Readers Digest com os maiores clássicos de todos os tempos...


Novamente sentiu-se incomodado por uma presença invisível, esquadrinhou a sala com os ouvidos em pé: não viu nem ouviu nada de anormal, apenas o silêncio da casa mesclado ao barulho do trânsito lá fora. Colocou a caixa de volta em seu lugar quase se desculpando por estar mexendo em coisas que não lhe pertenciam sem pedir a devida autorização. Aquele lugar estava começando a lhe dar nos nervos, o desespero impresso nas palavras daquele poema pregado na porta da geladeira o perseguiam e o atormentavam. De repente resolveu que precisava sair dali.


Precipitou-se para fora da casa batendo a pesada porta de madeira maciça, era como se quisesse impedir que alguma coisa daquela sucursal do inferno ganhasse a liberdade. Caminhou até o muro para perto da rua, como se quisesse retornar ao contato dos vivos, as pessoas que passavam caminhando distraídas pela calçada. Do lado de fora o aspecto de desleixo geral do imóvel se fazia ainda mais patente, a grama estava alta, o mato crescia em vários cantos, animais de rua e mendigos pareciam ter transitado livremente por ali.


Antes de ir-se de vez ainda olhou novamente para dentro da casa, parecia querer se certificar de que não havia nenhum rosto o espreitando do canto das janelas cobertas por pesadas cortinas. Foi aí que se deu conta: em seu devaneio sobrenatural tinha esquecido completamente de colocar o anúncio da imobiliária! Foi praguejando até o carro buscar a placa e mais uns apetrechos usados para a afixar: alicate, arames, barbante, etc. Caminhou com dificuldade pelo mato, maldizendo a própria burrice, enchendo a barra da calça com os detestáveis picões. O sol estava agora derretendo o asfalto, o suor escorria pelo rosto do corretor, vestido com aquela tradicional roupinha comercial, de gravata e tudo o mais.


A fachada dianteira da casa tinha apenas uma única e grande janela, aquela que dava para a sufocante sala de estar, protegida por uma sonora grade de ferro chumbada na parede externa e era ali mesmo que Edgard pretendia afixar a sua placa. Ficou muito aborrecido quando viu que não ia dar. Ali pelo lado de fora suas mãos apenas alcançavam a parte de baixo da grade e era preciso fixar a placa o mais alto possível para que as pessoas pudessem a ver da distância. Foi muito contrariado que o rapaz chegou a conclusão que, para concluir sua missão, a única maneira era entrar naquela casa mal assombrada mais uma vez...


Pior que continua...

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