Páginas

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A REVANCHE DE SORAIA: PERSEGUIÇÃO - FINAL

O menino ria de uma maneira que parecia muito estranha a Cleofas e este nunca gostara muito de crianças. Jogava para o alto uma bola colorida, o brinquedo quicava no chão como era esperado, bem à sua frente, o moleque ria ainda mais alto agora excitado cobrindo a cabeça com seus braçinhos magros e finos, parecia ter medo que aquela esfera de borracha pudesse se voltar contra ele e, como uma bala de canhão, rachar sua moleira.

- Querido para de brincar com essa bola. - O garoto a recolhera do chão e agora olhava curioso e desconfiado para a mãe e o estranho visitante, parecia adivinhar suas intenções. Avançou timidamente e entregou o brinquedo a Cleofas sem dizer nada. – Ele quer brincar com você. - Cleofas tinha entendido, e sem demonstrar muita vontade, até para não encorajar o moleque, pegou a bola. O garoto correu excitado para o outro lado da pequena sala, suas sandalinhas fizeram um som que deixou o advogado agoniado quando passaram velozes pelas taboas de madeira do assoalho, postou-se junto à parede e ficou de lá pulando e rindo da própria excitação. O estômago de Cleofas borbulhava e queimava como se estivesse sendo preparado para uma buchada... Nunca se sentiu tão idiota na vida, segurando nas mãos aquela grande bola colorida... “O que eu vim fazer aqui?”

Aquela era uma semana que não tinha começado bem. A Diretoria estava envolvida em um grande seminário de gestão administrativa e Cleofas tinha sido escolhido para auxiliar o chefe que faria uma exposição na quarta-feira, nessas ocasiões o homem entrava em estado de ebulição neurótica, por qualquer razão o tempo fechava e o esporro comia. “Esse filho da puta é bipolar!” Resmungava o advogado entre os dentes, enquanto mascava uma pastilha para tentar amenizar a tremenda queimação no estômago. - Isso é nervoso. - Dizia Sueli enquanto Cleofas preparava outra enorme caneca de café. - Além do mais essa sua mania de encher a cara de café o dia inteiro só ajuda a piorar. – O homem sabia muito bem, mas ficar sem o café nesse momento era impensável, impossível.

Soraia pirou do cabeção quando Roberta se foi para o terceiro andar, virou dragão soltando fogo pelas ventas, teve crise de abstinência: tremeu, babou, o diabo a quatro! Quando começaram a circular os mexericos de que a menina estava embarcando de braços - e pernas - abertas na lábia do “doutor” Cleofas a mulher literalmente perdeu o rumo de casa! “Traidooora! Ingraaata!” Soraia queria vingança, algo que pelo menos aliviasse o que lhe carcomia por dentro o coração e envenenava o sangue! Odiava Roberta e, sobretudo, odiava Cleofas. Soraia queria ver sangue, imaginava inclusive o velório do homem acontecendo ali no grande hall de entrada da firma em que trabalhavam. Essas fantasias a acalmavam, mas não curavam a dor que sentia porque não era realidade e Soraia precisava da realidade! Queria sentir o cheiro da coroa de flores que o chefe mandaria ela mesma comprar, as velas ardendo, as carpideiras cantando, queria cuspir no túmulo daquele “filho da puta!”

E então Léo - agora Roberta chamava Cleofas pelo apelido usado pelos amigos - você terminou de ler o livro que te emprestei? - Não havia a menor curiosidade na pergunta era só uma forma de entabular conversa e Cleofas logo desconversou, já que o assunto era um incômodo. - Sim, já sim. Livro fácil de ler. Podia até ter te trazido pra devolver, mas esqueci em casa. – Mentiu sentindo a ardência no estômago eclodir como um vulcão expelindo chamas em suas entranhas, imaginava o Ziza com o livro aos pedaços por toda a casa, não podia dizer a verdade, não queria admitir que fora tão descuidado com algo de outra pessoa. Olhava a coleção de cds que a moça trouxera para o mostrar com orgulho, era apaixonada por Zezé de Camargo e Luciano. Colocou um para tocar perguntando se ele conhecia a música. Cleofas fez que não tentando negociar o mal estar e a repugnância, aquilo era muito pior do que o livro do Dan Brown. O menino sentou a bola colorida em sua cabeça no momento em que ele pensava: “Por que será que ninguém mais é fã dos Beatles?”

Soraia procurou um feiticeiro “Banani” - não me pergunte o que isso é - o mesmo que a aconselhara ferver um chá para Roberta em uma de suas calcinhas usadas, garantindo que seria tiro e queda pra resolver a paixão a seu favor, os resultados insatisfatórios nós já conhecemos. Seu desejo agora era envenenar o desafeto, colocar uma estriquinina no café pra ele tomar, era ela quem cuidava do almoxarifado, seria fácil colocar essa vingança em prática. Banani era bicho solto e esperto, sabia que a cliente estava completamente doida da cabeça e que se desse uma merda muito grande ele seria o primeiro a se ferrar, então passou às suas mãos gordinhas um saquinho negro com ervas que garantiu ser veneno mortal, mas que na verdade não passavam de um potente laxante. Pelo menos essa merda não respingaria em sua reputação... Soraia saiu de lá contente da vida.

Homem descasado, Cleofas costumava ficar no escritório até oito da noite. A desculpa era a de evitar o tráfego, mas o que sentia mesmo era desânimo de voltar para a casa vazia e ficar lá olhando para as paredes. O dia seguinte seria o da exposição do chefe, o estresse andava altíssimo. Foi então que tocou o telefone, era Roberta cheia de conversa mole o convidando para ir a sua casa. A idéia o agradou, nunca havia acontecido nada entre eles até então, Cleofas fez todo o trajeto imaginando uma série de cabeludas aventuras sexuais, se complicou para encontrar o lugar, mas a moça já o esperava no portão. Entrou pelo quintal de terra batida trazendo a pasta e afrouxando a gravata, a casa era humilde daquelas que começou térrea e foi virando sobrado e prédio conforme a necessidade do crescimento familiar. Sua entrada foi saudada por cachorros vira-latas e olhares curiosos de portas e janelas, algumas outras pessoas vieram o cumprimentar o que o constrangeu e fez perceber com desânimo que a visita seria muito mais social do que sexual como ele imaginara.

Soraia preparou o “chá venenoso” e chegou bem cedo no trabalho, foi direto para a cozinha onde sua presença causava sempre um certo desconforto, rapidamente as duas serventes do matutino saíram para fazer qualquer coisa longe da bruaca que, curiosamente, ostentava uma expressão de contentamento muito incomum, cumprimentando todos com simpatia. Antes assim. Para evitar confusões e para sorte de Soraia, as garrafas de todos os setores eram nomeadas. Assim que ficou sozinha despejou todo o veneno na bela garrafa térmica azul com o nome Dr. Cleofas. Sueli já estava no escritório quando as garrafas de café foram sendo distribuídas, como sabia que o amigo ficaria fora o dia inteiro no tal do seminário de gestão passou a mão na garrafa dele antes que algum outro esperto o fizesse e foi tomando. Lá pela hora do almoço teve que ir embora pra casa desesperada porque tinha passado a manhã inteira no banheiro, literalmente, fazendo xixi pelo lugar errado!

O romance entre Cleofas e Roberta jamais haveria de decolar, especialmente depois daquela visita conturbada à casa da moça. O advogado percebeu o quanto sua presença a deslumbrava e o perigo de se permitir ser “eternamente responsável” por aquela conquista, se fosse só para ter uma transa informal de vez em quando até valeria a pena, mas ele sabia que a coisa não seria assim, somava-se a isso o quadro todo daquela noite infeliz: o estômago queimando, o menino com a bola colorida, aquele casebre humilde e a música dos filhos de Francisco. Era demais para sua sofisticada sensibilidade burguesa, quase saiu correndo de lá e a partir de então não deu mais pelota pra moça. Só muito tempo depois, quando Roberta percebeu o afastamento como definitivo e passou a cobrar a devolução do livro, é que resolveu comprar um novo que achou em promoção por vinte reais e Sueli quando soube fez questão de pagar.

Todos buscaram novos caminhos em suas existências sentimentais; uns com mais sucesso, outros com menos. Sueli mesma arrumou um caso que estava deixando todo mundo intrigado: flores chegavam, cartões apaixonados telefonemas misteriosos e coisas do gênero. Cleofas não deu muita importância pra novidade, mas um dia o computador da amiga travou e ela resolveu usar o do advogado para checar suas mensagens, de repente percebeu que já era mais de meio dia e dizendo que tinha combinado de almoçar com “uma pessoa” saiu desembestada. Cleofas foi checar suas mensagens também, sentou na frente do computador e mandou abrir o Hotmail, para sua surpresa caiu direto na página de recados de Sueli. Lembrando do tal caso misterioso, ficou curioso e resolveu bisbilhotar, ficou pasmo com o que leu:

Como vc é linda! Como te desejo!! Quero te jogar, te imprensar na parede e te beijar muito. Tô pouco me f... se as pessoas vão ficar olhando, desde eu esteja do seu lado. Obrigada pela noite maravilhosa no Bailão do Pedro, obrigada pelo carinho, obrigada por me fazer tão feliz!! Quero tirar sua roupa, abrir devagar cada botão, a sua... na minha mão! Bjo meu amor, te amo.

Soraia.

Um comentário:

Chico Arantes e Rica Urso disse...

kkkkkkkk
"fiscal musical"...rsss