Uns têm ouvido absoluto, o meu é obsoleto...
Bolão, citado por Henrique Cazes
Cansado, mas muito cansado
mesmo, deitei no sofá e tentei terminar de ver “Por trás do Candelabro” (Behind
The Candelabra, 2013) a cinebriografia do polêmico caso de amor entre o
pianista Liberace e um rapazinho que não sabia o que era um Popótis, mas
sonhava em ser veterinário, aliás, como Hitler. Fama, grana e poder, uma provisão
contínua de bofes e alguns implantes nas áreas certas, a vida de Liberace era;
foi sua morte também, aliás, “my lifestyle determines my deathstyle”.
Chamado de Lee pelos
íntimos, o pianista precursor do Glam e das fantasias de bailes de carnaval nunca
saiu do armário, sua história é, portanto, triste, sufocada, EGOísta; é também fruto
dos tempos atuais, quando o drama dos relacionamentos entre pessoas do mesmo
sexo não se presta mais a ser piadinha para relaxar as tensões da classe média.
O ponto alto está na interpretação engajada de Michael Douglas e Matt Damon, um
casal inusitado vamos combinar...
Acabei dormindo ali
mesmo, o sofá ganhou, quer dizer, o sono venceu, capotei. Lugar de dormir é na
cama e a alvorada seria com o Algazarra. Fui dormir e ao invés de ler a bíblia,
peguei uma revistinha do Drácula, uma história idiota em que o senhor das
trevas se envolvia com os nazistas. Não consegui ler nem dois quadros apaguei de
vez.
Sabe quando você
mergulha e vai voltando para a superfície e vê o céu lá em cima, mas não
consegue ouvir nada porque seus ouvidos ainda estão debaixo d’água? Pois é,
acordei assim, com aquela sensação de que um barulho estava lá na superfície,
mas eu não sabia o que era. Porém, o barulho me acordou... E era uma mulher
gemendo bem alto, “ais” e “uis” com aquela característica mesmo que vocês estão
aí imaginando com suas mentes poluídas.
É coisa muito rara um
barulho me despertar. Na verdade penso que o que me acordou não foi o som em
si, mas o inusitado daqueles gemidos em meio ao silêncio. Fiquei lutando contra
a curiosidade porque sabia que precisava continuar a dormir, descansar. Pensei
em levantar e ver em qual apartamento estava rolando o babado, depois pensei em
pegar o gravador e registrar aquela magistral e sonora trepada para depois
mostrar pros amigos e, sobretudo, ao síndico.
Quando acordei contei
o caso para Alice, minha mulher, que achou super engraçado e disse que não
tinha ouvido nada e ela tem o sono mais leve do que o meu. Esqueci e fomos
tocar, quando voltamos vem Alice me dizer com aquela peculiar excitação: eu
acho que eles tão transando de novo! Corremos para a área de serviço e lá
estavam os gemidos: altos e espaçados...
Não eram de prazer,
aquilo era dor! Havia alguém sofrendo em nosso prédio, enquanto eu pensava as
mais cabeludas bobagens.
Comecei a matutar sobre
as impressões erradas que temos de outras pessoas. Nessa nossa mania de adivinhar
o que o outro está pensado e como não temos direito de nos meter na vida de
ninguém. Não podemos viver das impressões sonoras que o mundo traz até nossos
ouvidos, precisamos exercitar a cautela com relação às interpretações de nossa
mente, porque, além de ficar uma hora dessas com cara de babaca, podemos, sem
querer, sermos muito cruéis...
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