Foi só depois da patética tentativa de suicídio de Roberta que o coordenador geral da repartição resolveu levar a sério os chiliques da moça e aceitar seus pedidos para ser colocada à disposição em outro lugar. Soraia fez de tudo para não se ver privada do prazer de torturar diariamente seu objeto de desejo favorito, mesmo porque a infeliz caíra na real dos singelos caprichos de sua libido e passara a olhar com o mesmo nojo que criança olha um prato de buchada. Eita! Por outro lado, em sua obsessão, a bruaca caiu em desgraça junto aos demais companheiros de trabalho, especialmente seus sisudos e hipócritas superiores. Essa coisa de chefe ficar dando em cima de subalterno não teria sido bem vista nem se ela fosse homem, imaginem o desgosto em ter que lidar com essa situação constrangedora, só não foi parar direto no olho da rua porque era competente e seria difícil arrumar outra pessoa de confiança para colocar imediatamente em seu lugar. Mas sua batata foi pro forno e por lá ficou assando...
Do térreo Roberta foi parar no terceiro andar do prédio e sentiu como se estivesse realmente subindo na vida. Tudo era novidade e deslumbramento, lá em cima estava instalada uma parte da elite da repartição, logo, percebendo suas limitações intelectuais, a colocaram para atender ao telefone e tirar xerox. Foi lá que a moça se aproximou do doutor Cleofas, um cara cobiçado na parada, apesar de não ser propriamente o que se chamaria de galã. Era um homem maduro de seus quarenta e tantos anos, relativamente bem sucedido e, mais importante e melhor de tudo: recentemente separado. Roberta rapidamente sucumbiu a uma paixonite retumbante capaz de fazer inveja a qualquer virgenzinha pré-adolescente, em contrapartida era solenemente ignorada. O homem passava, muito alinhado e simpático, carregando pastas e livros jurídicos. “Ele gosta de ler!” Pensou a menina, já era uma maneira de tentar se aproximar. Enquanto isso o sujeito não dava a mínima para aqueles grandes olhos castanhos que piscavam em sua direção.
Muitos de vocês considerariam Cleofas um verdadeiro leviano, um sem vergonha completo, um safadão. A crise da meia idade o enchera de cuidados e preocupações com a imagem, tinha vergonha de ser alvo de mexericos e falatórios, especialmente no lugar em que trabalhava. Bastante observador para essas coisas mundanas, no primeiro dia que viu Roberta “se arreganhando” para seu lado, já sabia tudo o que de uma boa sacanagem podia advir daquele sorriso amigável. Porém, também sabendo da fama de complicada e destrambelhada da garota ficou com os dois pés atrás. A última coisa que queria era uma biruta dando escândalo dentro da repartição por sua causa, preferia mil vezes não comer a passar o vexame. Mas a moça entrou numa de o conquistar, fez até apostas com as novas colegas, afinal, não estava correndo sozinha no páreo.
Na sala vizinha a de Cleofas trabalhava uma desquitada chamada Sueli que era provavelmente a mais antiga interessada em passar-lhe o rodo, desde quando casado ela já arrastava a asa pra seu lado, passado o divórcio infeliz os convites para tomar uma cervejinha depois do expediente se intensificaram. Com o passar do tempo e a convivência diária ficaram mais amigos do que amantes, não era nada, mas já era algum “negócio de coisa”. Eram amigos, mas não tinham nada em comum: nada. Cleofas odiava dançar, achava ridículo tanto ver quanto se imaginar fazendo. Desconfiado aceitou o convite para ir à casa da colega comer uma pizza e tomar vinho, sua rápida passagem foi marcada pelo ataque sistemático e estrambótico de um pequeno cão chihuahua chamado Ziza que latiu, lambeu e até urinou em cima da visita. O bicho realmente fazia justiça à alcunha de batismo!
A verdade é que Cleofas rezava na cartilha do lobo mau, também escolhia suas conquistas pela idade do rebanho e nisso Roberta se encaixava direitinho. Apesar das idas e vindas infelizes, a doidinha não tinha mais que vinte anos mal vividos. Pela mesma razão, as investidas da balzaca Sueli nunca sequer fizeram cócegas no imaginário sexy do cara. Após a súbita e dolorosa separação – sua mulher fugira da cidade com o palhaço do circo - passou uma fase de pegador enferrujado e conseqüentemente patético: saiu para as noitadas, bateu com o carro doidão, deu derrame na própria conta, se apaixonou, sofreu e fez sofrer. Mas, como diria Nietzche: “o que não mata engorda!”
Roberta resolveu dar uma de ousada e abordar Cleofas diretamente. Interpretando seu hábito de ler como uma ponte entre os seres normais; resolveu oferecer emprestado - fazendo um certo ar de quem lê comumente - um exemplar do recém-lançado e sucesso absoluto “O Código da Vinci”. O estômago do homem fez reviravoltas só à visão daquela capa vermelha, símbolo de consumo inútil e alienante. Difícil explicar, mas o intelectualismo voraz de Cleofas passava longe do que se poderia considerar como up to date, as novidades não o interessavam, muito ao contrário: detestava-as. Por outro lado, aquela era para ele uma situação bastante inusitada: uma garota jovem e relativamente bonita lhe oferecendo o empréstimo assim de um livro, coisa que ele relutava em fazer aos melhores e mais confiáveis amigos; não aquele livro, evidentemente, aquela obra tinha para ele o mesmo valor de um saco de pipocas ou de um picolé derretendo na praia.
Aceitou o empréstimo sorrindo galantemente, agradecendo com gentileza à oferta, afinal, ele nada pedira e ela nem perguntara se o assunto o interessava. Tentou – e acreditou ter conseguido - não deixar transparecer nem uma ponta de todo o desprezo intelectual que aquela “literatura” despertava, alguns de seus colegas ficariam ofendidos com a oferta de algo do gênero, seria como insinuar que eram uns bundões aculturados. Para a ingênua Roberta, aquele livro era uma parada chique, uma coisa que o doutor Cleofas gostava e pronto. Claro que para ela o livro era bom, não estava todo mundo comprando e comentando? Iam até fazer um filme e parece que o Tom Hanks estaria no papel principal. Doutor Cleofas ia pagar o maior pau pra ela, aliás, era o que a moça realmente esperava...
Apesar de ser um advogado mais cioso de seu estofo intelectual do que de sua carreira propriamente dita, Cleofas acabou lendo o Código inteirinho. Dois dias em momentos de ócio ululante foi o bastante para dar cabo da história. Achou até bem escrito, ágil e movimentado como fora um filme de ação mesmo, chegou a imaginar a deliciosa afronta de tecer elogios àquela porcaria em seu meio sofisticado e esnobe. O Código ficou esquecido em cima da mesa de trabalho no meio da papelada. Sueli que estava sempre rondando o escritório do amigo viu o livro encostado e perguntou se podia o ler o que ele concordou desinteressadamente, apesar de saber muito bem que não se deve jamais emprestar coisa dos outros. Foi só depois de muito tempo cobrando a devolução que veio à tona a triste sina do best seller: o desgramado do Ziza tinha, literalmente, devorado a porra do livro!
Conclui no próximo capítulo.
3 comentários:
Oi, agradeço a retribuição da visita.
Estou buscando parceiros para o Blog sobre Transtorno Bipolar, já que preciso sempre de artigos novos e que falem de visões diferentes. Não quero apenas dizer o que é a doença, quero retratar como é a vida do paciente. Poderia eu fazer isso, já que sou portadora do TB, mas não quero me expor desta maneira e nem expor a outros doentes. A idéia geral é levar informação, quero falar sobre a doença em nosso estado e o que a sec. de saúde tem feito pela saúde mental em geral. Enfim, preciso de parceiros. Se vc já teve vontade de escrever algo sobre a doença, talvez tenha chegada a hora.
Abraços
Silvana Pedrini
Ai ai ai...Tá parecendo As revistinhas de Heróis Marveis que eu lia...Esperava um mês pra ler de novo...huahua
Reginaldo Secundo.
Juca, agora tem que escrever o final do conto... pelamordedeu!
Beijos mill
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