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terça-feira, 21 de julho de 2009

BOM PRA CACHORRO: PERSEGUIÇÃO - Parte II.

Foi só depois da patética tentativa de suicídio de Roberta que o coordenador geral da repartição resolveu levar a sério os chiliques da moça e aceitar seus pedidos para ser colocada à disposição em outro lugar. Soraia fez de tudo para não se ver privada do prazer de torturar diariamente seu objeto de desejo favorito, mesmo porque a infeliz caíra na real dos singelos caprichos de sua libido e passara a olhar com o mesmo nojo que criança olha um prato de buchada. Eita! Por outro lado, em sua obsessão, a bruaca caiu em desgraça junto aos demais companheiros de trabalho, especialmente seus sisudos e hipócritas superiores. Essa coisa de chefe ficar dando em cima de subalterno não teria sido bem vista nem se ela fosse homem, imaginem o desgosto em ter que lidar com essa situação constrangedora, só não foi parar direto no olho da rua porque era competente e seria difícil arrumar outra pessoa de confiança para colocar imediatamente em seu lugar. Mas sua batata foi pro forno e por lá ficou assando...


Do térreo Roberta foi parar no terceiro andar do prédio e sentiu como se estivesse realmente subindo na vida. Tudo era novidade e deslumbramento, lá em cima estava instalada uma parte da elite da repartição, logo, percebendo suas limitações intelectuais, a colocaram para atender ao telefone e tirar xerox. Foi lá que a moça se aproximou do doutor Cleofas, um cara cobiçado na parada, apesar de não ser propriamente o que se chamaria de galã. Era um homem maduro de seus quarenta e tantos anos, relativamente bem sucedido e, mais importante e melhor de tudo: recentemente separado. Roberta rapidamente sucumbiu a uma paixonite retumbante capaz de fazer inveja a qualquer virgenzinha pré-adolescente, em contrapartida era solenemente ignorada. O homem passava, muito alinhado e simpático, carregando pastas e livros jurídicos. “Ele gosta de ler!” Pensou a menina, já era uma maneira de tentar se aproximar. Enquanto isso o sujeito não dava a mínima para aqueles grandes olhos castanhos que piscavam em sua direção.


Muitos de vocês considerariam Cleofas um verdadeiro leviano, um sem vergonha completo, um safadão. A crise da meia idade o enchera de cuidados e preocupações com a imagem, tinha vergonha de ser alvo de mexericos e falatórios, especialmente no lugar em que trabalhava. Bastante observador para essas coisas mundanas, no primeiro dia que viu Roberta “se arreganhando” para seu lado, já sabia tudo o que de uma boa sacanagem podia advir daquele sorriso amigável. Porém, também sabendo da fama de complicada e destrambelhada da garota ficou com os dois pés atrás. A última coisa que queria era uma biruta dando escândalo dentro da repartição por sua causa, preferia mil vezes não comer a passar o vexame. Mas a moça entrou numa de o conquistar, fez até apostas com as novas colegas, afinal, não estava correndo sozinha no páreo.


Na sala vizinha a de Cleofas trabalhava uma desquitada chamada Sueli que era provavelmente a mais antiga interessada em passar-lhe o rodo, desde quando casado ela já arrastava a asa pra seu lado, passado o divórcio infeliz os convites para tomar uma cervejinha depois do expediente se intensificaram. Com o passar do tempo e a convivência diária ficaram mais amigos do que amantes, não era nada, mas já era algum “negócio de coisa”. Eram amigos, mas não tinham nada em comum: nada. Cleofas odiava dançar, achava ridículo tanto ver quanto se imaginar fazendo. Desconfiado aceitou o convite para ir à casa da colega comer uma pizza e tomar vinho, sua rápida passagem foi marcada pelo ataque sistemático e estrambótico de um pequeno cão chihuahua chamado Ziza que latiu, lambeu e até urinou em cima da visita. O bicho realmente fazia justiça à alcunha de batismo!


A verdade é que Cleofas rezava na cartilha do lobo mau, também escolhia suas conquistas pela idade do rebanho e nisso Roberta se encaixava direitinho. Apesar das idas e vindas infelizes, a doidinha não tinha mais que vinte anos mal vividos. Pela mesma razão, as investidas da balzaca Sueli nunca sequer fizeram cócegas no imaginário sexy do cara. Após a súbita e dolorosa separação – sua mulher fugira da cidade com o palhaço do circo - passou uma fase de pegador enferrujado e conseqüentemente patético: saiu para as noitadas, bateu com o carro doidão, deu derrame na própria conta, se apaixonou, sofreu e fez sofrer. Mas, como diria Nietzche: “o que não mata engorda!”


Roberta resolveu dar uma de ousada e abordar Cleofas diretamente. Interpretando seu hábito de ler como uma ponte entre os seres normais; resolveu oferecer emprestado - fazendo um certo ar de quem lê comumente - um exemplar do recém-lançado e sucesso absoluto “O Código da Vinci”. O estômago do homem fez reviravoltas só à visão daquela capa vermelha, símbolo de consumo inútil e alienante. Difícil explicar, mas o intelectualismo voraz de Cleofas passava longe do que se poderia considerar como up to date, as novidades não o interessavam, muito ao contrário: detestava-as. Por outro lado, aquela era para ele uma situação bastante inusitada: uma garota jovem e relativamente bonita lhe oferecendo o empréstimo assim de um livro, coisa que ele relutava em fazer aos melhores e mais confiáveis amigos; não aquele livro, evidentemente, aquela obra tinha para ele o mesmo valor de um saco de pipocas ou de um picolé derretendo na praia.


Aceitou o empréstimo sorrindo galantemente, agradecendo com gentileza à oferta, afinal, ele nada pedira e ela nem perguntara se o assunto o interessava. Tentou – e acreditou ter conseguido - não deixar transparecer nem uma ponta de todo o desprezo intelectual que aquela “literatura” despertava, alguns de seus colegas ficariam ofendidos com a oferta de algo do gênero, seria como insinuar que eram uns bundões aculturados. Para a ingênua Roberta, aquele livro era uma parada chique, uma coisa que o doutor Cleofas gostava e pronto. Claro que para ela o livro era bom, não estava todo mundo comprando e comentando? Iam até fazer um filme e parece que o Tom Hanks estaria no papel principal. Doutor Cleofas ia pagar o maior pau pra ela, aliás, era o que a moça realmente esperava...


Apesar de ser um advogado mais cioso de seu estofo intelectual do que de sua carreira propriamente dita, Cleofas acabou lendo o Código inteirinho. Dois dias em momentos de ócio ululante foi o bastante para dar cabo da história. Achou até bem escrito, ágil e movimentado como fora um filme de ação mesmo, chegou a imaginar a deliciosa afronta de tecer elogios àquela porcaria em seu meio sofisticado e esnobe. O Código ficou esquecido em cima da mesa de trabalho no meio da papelada. Sueli que estava sempre rondando o escritório do amigo viu o livro encostado e perguntou se podia o ler o que ele concordou desinteressadamente, apesar de saber muito bem que não se deve jamais emprestar coisa dos outros. Foi só depois de muito tempo cobrando a devolução que veio à tona a triste sina do best seller: o desgramado do Ziza tinha, literalmente, devorado a porra do livro!


Conclui no próximo capítulo.

3 comentários:

SILVANA PEDRINI disse...

Oi, agradeço a retribuição da visita.
Estou buscando parceiros para o Blog sobre Transtorno Bipolar, já que preciso sempre de artigos novos e que falem de visões diferentes. Não quero apenas dizer o que é a doença, quero retratar como é a vida do paciente. Poderia eu fazer isso, já que sou portadora do TB, mas não quero me expor desta maneira e nem expor a outros doentes. A idéia geral é levar informação, quero falar sobre a doença em nosso estado e o que a sec. de saúde tem feito pela saúde mental em geral. Enfim, preciso de parceiros. Se vc já teve vontade de escrever algo sobre a doença, talvez tenha chegada a hora.

Abraços

Silvana Pedrini

Juca Magalhães disse...

Ai ai ai...Tá parecendo As revistinhas de Heróis Marveis que eu lia...Esperava um mês pra ler de novo...huahua

Reginaldo Secundo.

Maria Paula disse...

Juca, agora tem que escrever o final do conto... pelamordedeu!

Beijos mill