A PAZ QUE A MORTE NOS TRAZ
Texto escrito por Maria Nilce, poucos meses antes do brutal assassinato que a vitimou
Leio nos jornais que Dina Sfat morreu às sete e trinta da manhã em seu apartamento do Leblon (no dia 20 de março de 1989), ao lado de suas três filhas. Leio também que o seu corpo foi envolto num lençol imaculadamente branco e encomendado através dos rituais judaicos.
Houve um tempo em que a morte me assustava de uma maneira tão terrível que chegava a perder o sono. Quando meu irmão Milton morreu, com apenas quarenta e poucos anos, fiquei tão descontrolada que, pela primeira vez na vida, tive que frequentar um psicanalista. E ele então me disse que o que me apavorava não era a morte de meu irmão, mas sim pensar em minha própria morte. Naquela época fiquei com vontade de fazer muitas coisas que nunca tinha feito antes, tomei porres horríveis e um dia peguei o carro e fui embora...
Eu não queria voltar mais.
Eu não queria voltar mais.
Hoje, vejo que tudo isso mudou. É incrível como há mutações no decorrer de nossas vidas, como nós nos parecemos com a natureza que ora está de uma maneira, ora de outra.
Hoje, a morte já não me aterroriza. Não uma morte da maneira serena e bela como foi a de Dina Sfat. Ao lado das filhas, numa manhã que mal acabara de despertar, com o sol de final de verão ainda forte, mas já mais ameno, entrando por uma janela cuja cortina ficou mal fechada.
Morrer numa manhã ou numa tardinha cujo crepúsculo botou tons rosas no poente deve ser lindo.
Morrer depois de ter vivido, amado, sofrido, feito coisas, deixado coisas para que outros se lembrem. Morrer com dignidade, aceitando aquele dormir eterno como uma coisa racional e lógica como é o nascer.
Morrer deixando ideais que serão seguidos quando nada pelos filhos. Morrer deixando um rastro de coragem, de fibra, de dignidade em todos os lugares por onde se passou... Isto é bonito.
Eu sei que um dia vou morrer tragicamente(!), mas se o destino me deixasse escolher, gostaria de ir assim, serena e tranqüila, ao lado dos meus filhos, de preferência num crepúsculo de prata, onde todas as pessoas e todas as coisas se acalmam, se estreitam, se entrelaçam e tudo fica mais doce...
Até a própria morte.
22 de março de 1989
2 comentários:
Juca, Eu sempre me lembro de sua mãe com muito carinho. Esse texto "premonitório" escrito por ela é por demais impressionante...
Mas, caro amigo, ela abriu as portas para que muita coisa começasse a aparecer à luz do dia... E isso assusta...
Os anos amainam a nossa dor. Não sei se nos acostumamos com ela, ou se nos acostumamos com a ausência, é estranho demais...
Vamos pedir por ela, para que ela esteja tranquila, e em paz.
Beijos mill
Estou aqui hoje, para dizer que Maria Nilce, é o exemplo de mulher que todos deveriam seguir. Sabemos que a dor da familía é imensa e eu sinto ódio das pessoas que fizeram isso só de pensar. Estou usando o caso na minha monografia, Maria Nilce, vai me ajudar, ela é meu exemplo! Hoje sou sua fã!
Que Deus a guarde, santinfique o seu rosto!
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