O dia oito de março, Dia
Internacional da Mulher, era uma data muito especial para a colunista social Maria
Nilce Magalhães, locomotiva da sociedade capixaba, proprietária do Jornal da
Cidade. Durante muito tempo Maria realizou um badalado almoço que reunia as
principais empreendedoras do Espírito Santo para marcar a data e a ascensão do
gênero feminino no meio empresarial capixaba, coisa que, em meados dos anos
oitenta ainda era relativamente incomum.
O evento e a própria
colunista ganharam força e importância ao longo dos anos. No final dos anos
oitenta Maria Nilce era já uma mulher madura caminhando firme para os cinquenta
anos (morreria assassinada em um nebuloso crime de mando aos quarenta e oito em
1989) e já mudara bastante sua postura na vida pública. Tentava se descolar da
pecha de pessoa polêmica e ser respeitada apenas pelo que realmente era: uma mulher
que vivia para seu trabalho, casada há mais de vinte anos, com cinco filhos já
praticamente adultos.
Comprou um automóvel de
quatro portas para andar com motorista sentadinha no banco de trás, vestia-se
mais sobriamente e tentava manter longe as polêmicas. Porém, enquanto ganhava
força e prestígio, seus inúmeros inimigos, que também envelheciam, redobraram
esforços para a prejudicar. Houve um episódio em que uma turma teria tentado espalhar
pó de mico (aquele que dá coceira) nos inúmeros convidados que adentravam
chiquérrimos a área de eventos do Alice Vitória Hotel.
Muitos lembraram e
destacaram, após o escandaloso crime de mando que vitimou Maria Nilce as
fofocas que ela publicava – que a todos divertia - e o grande mal que teria
feito a inúmeras pessoas. Outros bateram no peito valentemente após ver a
carcaça da fera abatida sem nada terem feito para a derrotar; nunca tiveram coragem
de a enfrentar e, pior de tudo, alguns destes buscavam sua amizade atrás de
alguma rebarba do sucesso e frequentemente filavam uma boia ou um uisquinho em sua
casa.
Quantos se indignaram publicamente
ou vieram clamar por justiça em nome de uma mulher indefesa assassinada na rua
de sua casa, de manhã cedo, num dia de semana comum? Maria Nilce Magalhães foi
a primeira a destacar a força de seu gênero e a reconhecer o valor de outras
empresárias e ativistas políticas. Quantas vezes Maria Nilce foi homenageada ou
lembrada em eventos públicos na cidade de Vitória? Sequer uma rua foi nomeada
em sua lembrança. Houve um evento na Assembleia Legislativa em meados da década
passada, lembrando vítimas de violência e seu nome sequer foi citado. Maria
Nilce permaneceu um tabu e nunca ficou explícita a verdadeira razão...
Republico então uma historieta
do livro Crônica de Uma Ilha Muito Doida, mostrando o lado pitoresco e
divertido desta colunista. Resgata também o famigerado poeta Otinho que, de
repente, lá nos anos setenta, teve um baita surto premonitório:
Logo assim que Ângela Diniz foi
assassinada (30 de dezembro de 1976), Otinho, nosso poeta louco, foi na banca
de revistas do Natal e, ao ver a pantera em todas as capas de revistas, danou a
gritar:
- Maria Nilce vai morrer igual a
Ângela Diniz!
Num sábado em que eu estava em
Camburi tomando banho de mar, passa Otinho e ao ver-me grita para a praia
inteira:
- Viva Maria Nilce, a pantera
capixaba! – Chamei-o e disse-lhe:
- Estou zangadíssima com você. Que
história é esta de gritar em plena na Praça Costa Pereira que eu vou ter o
mesmo fim trágico de Ângela Diniz? – E ele inteligentemente saiu-se com esta:
- Mas eu não falei no sentido da
devassidão. Falei no sentido da audácia!
Ângela Diniz era conhecida
como a “Pantera de Minas” e, como Maria Nilce, era considerada uma socialite
polêmica. A Revista Época atribui à moça a seguinte frase: “Sou bonita, rica e
boa de briga”. Foi assassinada aos 32 anos pelo amante conhecido como Doca
Street, ainda segundo a revista, “o assassino mais famoso da
década de setenta”. A menção de Otinho à “devassidão” é talvez graças à cobertura
sensacionalista, dando ênfase ao uso de drogas e republicando supostas
afirmações da vítima a partir de declarações que seu assassino usou para
justificar o ato de disparar quatro tiros no rosto da amante:
“- Se quiser ficar
comigo vai ter de me dividir com homens e mulheres“.
Maria Nilce Magalhães, Ângela Diniz e tantas outras mulheres foram assassinadas e nem as vítimas, nem
seus familiares tiveram condição ou a mesma atenção da midia para contestar as afirmações levianas de seus
assassinos. Esse linchamento do cadáver, a posterior criminalização da vítima, é
prática corriqueira adotada por muitos advogados de defesa, reproduzida por
policiais e publicada na imprensa para “explicar o caso”. Existe nisso tudo:
tara, morbidez, falta de ética, injustiça e por aí vai. Volto a dizer,
precisamos repensar a Lei que regulamenta a divulgação de informações relativas a atos criminosos, para
proteger as famílias e prevenir o preconceito e a
injustiça perpetrados, especialmente, contra a mulher.
3 comentários:
quem procura acha!!! pra bom entendedor....
Eu concordo que quem procura acha. Ela era bem explícita. Um assassino acha justificativa com qualquer coisa.
quem ama nao mata!!!quem ama seus filhos nao os abandona por nada,vida bandida,plantou colheu,lei do Unierso!!!
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